O profissionalismo no futebol brasileiro




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O processo que resultou na profissionalização do futebol no Brasil foi rodeado por questões de classe social, interesses financeiros, afirmação de identidades, racismos e preconceitos de toda a ordem. Dirigentes conservadores e o racismo das elites fazem com que o futebol continuasse sendo amador (AFIF, BRUNORO, 1997; BRETAS, 2006). 

 Em 1933, temos a implantação do futebol profissional em nosso país. De forma muito precária ainda, mas o suficiente para estabelecer o marco mais importante na história do nosso futebol. O ano de 1933 representa a fase do profissionalismo. Há relatos datados de 1915 que jogadores de São Paulo e do Rio de Janeiro recebiam algum dinheiro para entrar em campo, como forma de incentivo as vitórias. Era uma gratificação, independente do resultado, isso servia de estímulo ao jogador. Isso fazia com que o jogador se empenhasse mais, jogasse melhor, com mais entusiasmo, mais vontade de vencer o que poderia proporcionar á ele futuras convocações e conseqüentemente mais gratificações. 

Óbvio que isso não caracteriza o profissionalismo, mas cria condições para o surgimento (CALDAS, 1989). Segundo Caldas (1989), algumas entidades esportivas surgidas no início do século XX, já se organizavam para cobrar ingressos dos espectadores, como por exemplo, a Apea (Associação Paulista dos Esportes Atléticos), fundada em 1913 com o objetivo de organizar o futebol paulista. Mas em 1908, no Rio de Janeiro, a Liga Metropolitana de Sports Athléticos tinha os mesmos objetivos que a Apea. Desse modo, era inevitável o surgimento do profissionalismo. 

As arrecadações obtidas visavam manter autônomo o departamento de futebol de cada clube. Antes as gratificações eram dadas por sócios ricos, agora elas seriam retiradas da renda do jogo. Isso faz com que surgissem inúmeros problemas no futebol brasileiro e aos dirigentes. No dia 25 de Setembro de 1915, os paulistas criaram a Federação Brasileira de Futebol. Cinqüenta dias depois, a 15 de Novembro de 1915, os cariocas fundaram a Federação Brasileira de Desportos. Começou então uma das maiores disputas entre paulistas e cariocas pela hegemonia do futebol brasileiro. 

 Após alguns conflitos, no dia 18 de Junho de 1916 o chanceler Lauro Muller, como mediador do conflito, convocou os representantes de cada entidade e propôs a união deles e a criação da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), uma instituição forte e expressiva para dirigir e representar internacionalmente (junto à Fifa) o futebol. A proposta foi aceita. Então, no dia 6 de Novembro de 1916 foi fundada a Confederação Brasileira de Desportos. Em 1923, o Clube Regatas Vasco da Gama decide pela primeira vez na história do futebol colocar negros em seu time. E por ironia, se tornou campeão carioca neste ano. Tinha no banco jogadores negros, mulatos e quatro analfabetos. E dessa maneira venceu seus adversários Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, times que prezavam e lutavam pelo elitismo no futebol. Devido a essa ousadia do Vasco da Gama, o clube não só conquistava o seu primeiro campeonato na primeira divisão, mas criava também a maior crise no futebol carioca pelo fato de em seu elenco conter jogadores negros e analfabetos. Isso era uma humilhação para os times grã-finos, nos quais esses times eram formados por jovens estudantes e profissionais de alto nível da elite carioca. A partir de então, modificou-se o panorama do futebol brasileiro e com ele a própria imagem do jogador. 

O público já não via mais o jovem estudante universitário, grã-fino, praticando o esporte até então exclusivo dos ricos. Qualquer profissional, desde que comprovasse seu talento com a bola nos pés, teria chances de vestir a camisa de um Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, Bangu, Vasco. É nesse momento que os grandes clubes foram buscar na periferia e nos times pequenos bons jogadores. Dessa forma, jogar futebol deixava de ser um esporte nobre para a elite; passara a ser uma atividade grosseira. O prestígio que a elite dava ao futebol foi sumindo rapidamente. Em pouco tempo, o futebolista perdeu a imagem do homem fino, de elite, e passou a ser visto como um marginal da sociedade. A essa altura, o futebol estava bem perto da profissionalização. Embora isso já ocorresse, mas de forma não declarada (CALDAS, 1989). 

 O futebol tornou-se profissional formalmente no dia 23 de Janeiro de 1933. Na prática, é impossível precisar a data, pois há inúmeros exemplos de jogadores, na época do amadorismo que recebiam gratificações, “bichos” ou até mesmo salários mensais, como se fossem funcionários (BORSARI, 1975; CALDAS, 1989; BETTI, 1997). Caldas (1989) Afif e Brunoro (1997) dizem que em 1931 e 1932, Argentina e Uruguai, além dos europeus um pouco antes, já haviam legalizado o profissionalismo no futebol. Isso atraía jogadores brasileiros. Os craques brasileiros notaram que era possível viver do futebol. Para se ter uma idéia, o jogador Fausto, do Vasco da Gama, foi atraído pela possibilidade de ganhar muito dinheiro, deixou a equipe carioca em meio a uma excursão que o time fazia pela Europa para se transferir para o Barcelona, da Espanha. Em 1931, a Lazio, da Itália, contratou dez jogadores brasileiros de uma só vez. Os dirigentes brasileiros, diante da situação, ficaram preocupados, já que o futebol nacional corria sério risco de ver a debandada de seus principais jogadores para a Europa. A desorganização e o amadorismo precisavam dar espaço a atitudes mais realistas. A solução encontrada foi a criação da Liga Carioca de Futebol em 1933, favorável ao profissionalismo, apesar de não contar com o apoio de todos os clubes do Rio de Janeiro. Na prática, os jogadores já estavam sendo remunerados. 

O futebol estava dividido em dois grupos: os que defendiam o profissionalismo e os que insistiam em que ele se conservasse amador, apesar das gratificações que os clubes davam aos jogadores. Todas as grandes equipes do nosso futebol começavam a perder seus melhores jogadores para o exterior. Isso promovia uma queda no nível técnico, na qualidade dos jogos e aumentava o descontentamento do torcedor – nessa fase, os torcedores já pagavam ingressos e exigiam então um futebol de melhor qualidade. Os jogadores que não se empenhavam bastante durante as partidas eram vaiados pela torcida e conseqüentemente eram substituídos pelo técnico. Geralmente esses jogadores eram jovens de boa condição econômica e que não tinham interesse em se profissionalizar (CALDAS, 1989). O profissionalismo no Rio de Janeiro Antonio Gomes de Avelar, presidente do América Futebol Clube, no Rio de Janeiro, em 1932, tornou pública sua atitude em favor do profissionalismo. O Vasco da Gama e o Sport Club Corinthians Paulista romperam barreiras do preconceito racial, admitindo jogadores negros em seus times. Gomes de Avelar estava disposto a levar o profissionalismo ao seu clube, independentemente do apoio de outros clubes. 

Ele estava disposto a declarar publicamente que o América pagava aos jogadores. A partir daquele momento, todos os jogadores teriam contratos com o clube e neles estaria o valor do salário pago ao atleta. Isso gerou inúmeros conflitos, discussões, suspensões ao clube, pois a maioria dos clubes cariocas era favorável ao amadorismo – enxergavam o futebol como um momento de lazer (CALDAS, 1989). A partir de 1933, quando se consolida o profissionalismo, os ingressos sobem de preço, mas os estádios continuavam a receber um público cada vez maior. Os jogos entre os grandes times Botafogo, Vasco, Flamengo, Fluminense e América chegavam a causar tumultos, porque o público era superior à capacidade de seus estádios. Mas as vantagens econômicas do profissionalismo não eram apenas as rendas dos jogos. Assim como acontece hoje, a venda de um jogador para outros clubes gerava grandes lucros (mas somente para o clube). O atleta só receberia o salário, a sua venda para outro clube não lhe gerava lucro nenhum (CALDAS, 1989) 

 O “bicho”, além de servir como uma motivação aos jogadores para se empenharem mais durante os jogos, melhorando a qualidade do espetáculo, como tornava os jogos da LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres) mais empolgantes. Além disso, o “bicho” tem o mérito de ter aberto as portas do futebol brasileiro para o profissionalismo (CALDAS, 1989; BETTI, 1997). O profissionalismo em São Paulo Não é necessário retomar o futebol paulista desde as suas origens, quando Charles Miller em 1984, chega da Inglaterra trazendo bolas, calções, chuteiras e camisas de futebol em sua bagagem (ROSENFELD, 1973; CALDAS, 1989; HELAL, 1990). Caldas (1989), diz que a trajetória do futebol paulista é semelhante á dos cariocas, ou seja, repleta de brigas, discussões e desentendimentos que se iniciam quando surge em 1901 a LPF (Liga Paulista de Futebol). Essas discussões, brigas, têm motivos semelhantes aqueles já discutidos anteriormente: a questão do elitismo e das lutas internas, nas entidades e nas imprensas, em defesa do profissionalismo. A primeira cisão acontece em 1913, o C.A. Paulistano, fundador da LPF, desencadearia uma nova entidade, a Apea (Associação Paulista de Esportes Atléticos), no dia 22 de abril. Deste modo, os associados da Apea passariam a organizar o seu próprio campeonato. Essa cisão ocorreu devido a preconceitos raciais e sociais no elitismo que sempre permeou o futebol da época. Alguns times da segunda divisão reivindicavam para a Apea o acesso para a primeira divisão, a “Lei de Acesso” já que haviam ganhado inúmeras vezes de alguns times da primeira divisão em jogos amistosos, mas como diz o glorioso jornalista João Saldanha: “o futebol se caracteriza pela contingência e o inusitado. A normalidade é a exceção e não a regra”. Esse fato é muito importante para a história do profissionalismo do futebol, já que esse fato esta diretamente relacionada ao elitismo e a briga entre as classes sociais e a disputa de interesses políticos. Mas a Apea não cogitava a “Lei do Acesso”. Os times da segunda divisão não tinham o mesmo refinamento social encontrado no C.A. Paulistano, Palestra Itália e outros. E o elitismo não era observado somente pelo “status” do jogador, o próprio clube precisava manter uma sede compatível. Suas instalações e seu patrimônio, ao lado da “qualidade social” dos jogadores eram determinantes para o acesso á primeira divisão da Apea. Por causa dessas discriminações, os times da segunda divisão romperam com a Apea em 1921 e formaram a sua própria instituição. A nova associação não teve apoio da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e por isso não chegou a ter nome. A única saída foi retornar á Apea. Somente em 1949 a “Lei do Acesso” entra em vigor. Nessa época o profissionalismo já estava consolidado. No Campeonato Paulista de 1949, o Guarani de Campinas e o XV de Piracicaba foram os primeiros beneficiados com a Lei do Acesso. Ambos, respectivamente foram campeão e vice-campeão da segunda divisão do futebol profissional (CALDAS, 1989). Em 1923, a CBD realizaria o Campeonato Brasileiro, e este seria o primeiro Campeonato Brasileiro oficial de futebol. Pela primeira vez, reunia-se em um torneio esportivo em nosso país, nove estados da federação, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Para, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e o Distrito Federal. O estado de São Paulo foi o campeão. Os desentendimentos entre a Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) e a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMTD) eram velhos, como a condição do jogador de futebol. Afinal, a LMTD não admitia o profissionalismo. Ela vigiava e punia os clubes e os jogadores que transgredissem o “Código de Ética” assinado pelos sócios. Na Apea a situação era diferente, os jogadores recebiam salários para vestir a camisa de seu time. Enquanto a LMTD punia com firmeza, a Apea tomava conhecimento apenas formalmente. Esse era um dos motivos que geravam constantes desentendimentos entre ambas. Mas em nenhuma das duas instituições havia unanimidade para implantar o profissionalismo ou manter o amadorismo. Enquanto o Rio de Janeiro havia um amadorismo mais evidente devido às imposições da LMTD e posteriormente da Amea (Associação Metropolitana de Esportes Athléticos), em São Paulo a situação era confusa. O amadorismo e o profissionalismo coexistiram até a legalização do profissionalismo. Diferentemente do resto do Brasil, em São Paulo havia um número muito grande de jogadores que recebiam salários em seus clubes para jogar. O dinheiro que os jogadores recebiam servia de estímulo para lutar pelas vitórias. Para finalizar, em São Paulo havia um clima menos hostil ao profissionalismo do que no Rio de Janeiro, pode-se até dizer favorável, sem que a Apea reprimisse. O que inevitavelmente, em 1933, resultaria no profissionalismo do futebol brasileiro (CALDAS, 1989).

Bibliografia 


 AFIF, A; BRUNORO, J. C. Futebol 100% profissional. São Paulo: Editora Gente, 1997. BETTI, M. Violência em campo: dinheiro, mídia e transgressão ás regras no futebol espetáculo. Ijui, RS: Editora Unijui, 1997. BORSARI, J. R. Futebol de campo. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1975. BRETAS, A. O “football” e a “barbaria de atitudes” a: visão de Otto Prazeres em 1944. In: X Congresso Nacional de História do Esporte, Lazer e Educação Física e Dança. Escola de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. 1 CD-ROOM. CALDAS, W. O pontapé inicial: memória do futebol brasileiro. São Paulo: Editora Ibrasa, 1989. HELAL, R. O que é sociologia do esporte. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990. ROSENFELD, A. O futebol no brasil. São Paulo: Revista Argumento, 1974.
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