A criança que habita o coração do palmeirense



O palmeirense se comporta hoje como uma criança que acaba de pisar no Magic Kingdom pela primeira vez. Arregala os olhos, deixa escapar um grito, ameaça correr, mas não sabe ao certo em qual direção. A diversão está ali, ao alcance da mão, mas parece que aquele universo não lhe pertence. É como se alguém soprasse em seu ouvido: “Não se iluda, meu amigo. Não se iluda”. Aí o torcedor esfrega os olhos e conclui que aquilo não se trata de sonho nem de miragem: o Palmeiras entrou de vez na disputa pelo título do Campeonato Brasileiro.

 Não é só a tabela. Vários fatores mostram que o Palmeiras encontrou um novo caminho, diferente da trilha de sofrimento que percorreu por anos seguidos, como quem circula pelo próprio lar. Entre o gol do Santos que evitou de vez o terceiro rebaixamento alviverde aos mais de R$ 150 milhões investidos como um bote salva-vidas pelo presidente, o clube conseguiu ressuscitar. Vieram mais de 20 jogadores, uma prova irrefutável de que o passado precisava ser descartado com urgência. Trouxeram um diretor de futebol com a habilidade necessária para não perder um bom jogador por conta de vaidosas barganhas. Com dinheiro em mãos e um elenco muito mais qualificado, o resultado é, de certa forma, previsível. Mas é o Palmeiras.

E isso corresponde a dizer que a dor de cabeça era até então a nossa única verdade. A mudança do técnico realmente surtiu o efeito imediato, ainda que não seja possível cravar que será duradouro. Na filosofia dos Oliveiras ,o potencial de Oswaldo deu lugar à realidade de Marcelo. Era hora de transformar o otimismo em pragmatismo. O Palmeiras já chegou a ocupar a 14ª posição no Brasileirão e agora está em 3º, a quatro pontos do líder Atlético Mineiro.

O verbo “empolgar”, entretanto, é proibido nos arredores do Allianz Parque. A história recente mostra que tentaram tirar do palmeirense até mesmo a crença infundada ou precoce. Mas falharam.

O estádio sempre lotado, as vitórias nos clássicos e em jogos fora de casa, os heróis improváveis que percorreram o barbante que divide a dispensa do apoio irresoluto. Tudo começou a conspirar a favor. E isso é um enorme temor para o torcedor. Não é uma questão simplesmente de pessimismo. É um mecanismo de defesa. É reduzir a expectativa para atenuar a dor futura. O palmeirense não abandonou o time em nenhum momento, mas a sua paixão hoje tem cicatrizes profundas.

O palmeirense hoje é um septuagenário teimoso que torce e antevê a derrota com a mesma convicção. A bipolaridade nas arquibancadas e sofás é uma marca registrada a fórceps. São 38 rodadas. Uma eternidade para quem viveu as últimas temporadas sempre em compasso de espera.


E quando se deseja muito alguma coisa, é natural que falta o cacoete de desfrutá-la quando surge a oportunidade. Não se sabe se a costumeira frustração fraquejará e cederá a sua cadeira cativa á glória. O futebol é a incógnita perfeita da vida. A felicidade é a pluma de Vinicius de Morais que o vento vai levando pelo ar. Os torcedores fizeram do Centenário do Palmeiras um momento de reafirmação.

Os fogos na madrugada de 26 de agosto de 2014 no bairro da Pompeia não eram apenas uma celebração, e sim a bandeira da resistência sendo fincada. Cantavam alto e de forma ininterrupta, como quem busca um hino de guerra para afugentar a ameaça de uma nova queda. Meses depois, o Palmeiras sobreviveu. Entre urros de alívio e ofensas, havia a promessa de um recomeço.

Não existem certezas, mas há a algo que já se não pode tirar do palmeirense. Por pior que seja o trauma, ninguém é capaz de sumir com o sorriso de uma criança ao fitar as luzes coloridas que não param de brilhar a sua frente.
Esporte Final
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